segunda-feira, 8 de setembro de 2014

A Reforma íntima do Brasil


Você faz a sua parte pela reforma íntima do Brasil? Você acredita que está no lugar certo ou acha que reencarnou aqui por acaso? Você sabe tão bem quanto eu que o acaso não existe. Tudo; absolutamente tudo está interligado.
 O seu lar reúne espíritos conhecidos de muitos séculos. Cada membro da sua família é um espírito imortal procurando reajustar-se com seu semelhante, buscando resgatar débitos assumidos em algum lugar do passado. Depois de seu lar, de sua casa, vem todo o seu círculo de conhecimento: colegas de trabalho, colegas de estudo, vizinhos, parentes, conhecidos. Mais além, está a cidade em que você vive. Sua cidade, o lugar onde você vive, reúne muitos círculos de conhecimento como o seu. E assim sucessivamente.
 A região a que a sua cidade pertence, depois o seu estado, e tudo isso formando o Brasil, a pátria brasileira. Uma grande família espiritual. Não é à toa que reencarnamos no Brasil. Todos temos erros a corrigir, lições a repetir, injustiças a reparar, caminhos a percorrer, estradas a construir. E muitos desses compromissos dizem respeito diretamente ao país em que vivemos.
Os gritos das senzalas ainda ecoam pelos ares. Nosso país foi erguido a braço negro, regado com sangue, suor e lágrimas africanas. O espaço desse chão brasileiro foi aberto atropelando as culturas indígenas que havia; não sobrou quase nada. O massacre indígena não é um fenômeno exclusivamente brasileiro; foi assim em toda a América.
Mas em nenhum outro lugar houve uma assimilação tão rápida, uma acomodação de raças e costumes, onde tudo virou uma coisa só. Não estou negando a existência de preconceito. Mas desconheço lugar no mundo onde haja tanta mistura de etnias e costumes tão diversos. E tudo é Brasil. Não há, no mundo, potencial mais vasto, promessa mais rica que a deste povo a que pertencemos.
Não existe, em lugar nenhum fora daqui, tanta diversidade de culturas, pensamentos, origens, crenças. Se hoje estamos mergulhados em escândalos, é porque vivemos um período de transição. Estamos construindo uma identidade.
 O espiritismo não se afirmou tão profundamente em solo brasileiro por acaso. Temos, como pátria espiritual, missão importante a cumprir. O espiritismo surgiu na França, mas foi aqui no Brasil que encontrou condições propícias para seu desenvolvimento e fortalecimento.
 A mistura de credos religiosos africanos, indígenas e europeus ajudou a moldar um pensamento particularmente aberto ao espiritismo moderno. Não podemos confundir o momento de crise em que vivemos com a grandiosidade de nosso país.
Tenho muito amor pelo Brasil. Tenho convicção de que o futuro mostrará que temos um papel relevante a desempenhar no cenário mundial. E o espiritismo, como ciência de vanguarda, como cristianismo racional e lúcido, será o pano de fundo dessa mudança.
 O Brasil é o maior país espírita do mundo! Faz muito tempo que somos independentes. Acho que o mais importante é a independência de pensamento. E podemos pensar muitas coisas boas a respeito do Brasil.
Temos qualidades únicas, que devem ser valorizadas. Você sabe que uma pessoa começa sua reforma íntima depois de uma grave crise. Ninguém resolve se melhorar por nada. Se com uma pessoa é assim, com um país, que é um grande contingente de pessoas, também é assim. O Brasil está iniciando sua reforma íntima.
Por isso têm descoberto tantos podres, tantas mazelas. É o processo natural de expurgar de si o que não presta. Ajudemos o Brasil em sua reforma íntima. O país é composto por pessoas, como eu e você. Façamos nossa parte.

(Morel Felipe Wilkon)

Criaturas únicas



                                    Criaturas únicas

Um jovem procurou seu professor porque se sentia um inútil.
Achava-se lerdo, não conseguia fazer nada bem. Desejava saber como poderia se melhorar e o que devia fazer para que o valorizassem.
O professor, sem olha-lo, lhe disse: "sinto muito, mas antes de resolver o seu problema, preciso resolver o meu próprio. Talvez você possa me ajudar."
Tirou um anel que usava no dedo pequeno e deu ao rapaz, recomendando: "vá até o mercado. Preciso vender este anel porque tenho que pagar uma dívida. É preciso que você consiga por ele o máximo, mas não aceite menos do que uma moeda de ouro."
O rapaz pegou o anel e foi oferece-lo aos mercadores. Eles olhavam com algum interesse, mas quando ele dizia o quanto pretendia por ele, desistiam.
Quando ele mencionava uma moeda de ouro, alguns riam, outros saíam sem ao menos olhar para ele. Somente um velhinho muito amável lhe explicou que uma moeda de ouro era muito valiosa para aquele anel.
Abatido pelo fracasso, o rapaz retornou à presença do professor, dizendo que o máximo que lhe ofereceram foram duas ou três moedas de prata. Ouro, nem pensar!
O dono do anel respondeu que seria importante, então, saber o valor exato do anel. Sugeriu que o jovem fosse ao joalheiro para uma correta avaliação. E fez outra recomendação: não importa o valor que lhe ofereçam, não venda este anel.
O jovem foi, um tanto desanimado. O joalheiro, depois de examinar com uma lupa a joia, pesou-a e lhe disse: "diga ao seu professor que, se ele quiser vender agora, não posso lhe dar mais do que cinqüenta e oito moedas de ouro."
O rapaz teve um sobressalto: "cinqüenta e oito moedas de ouro?"
"Sim", retornou o joalheiro. "com tempo, eu poderia oferecer cerca de setenta moedas. Mas, se a venda é urgente..."
O discípulo recusou a oferta e voltou correndo para dar a boa notícia ao professor. Depois de ouvi-lo, o professor falou: "sente-se, meu rapaz. Você é como este anel, uma joia única e valiosa. Como toda joia preciosa, somente pode ser avaliada por quem entende do assunto."
Por acaso você imaginou que qualquer um poderia descobrir o seu verdadeiro valor?"
Tomando o anel das mãos do rapaz, tornou a colocá-lo no dedo, completando: "todos somos como esta joia: muito valiosos.
No entanto, andamos por todos os mercados da vida pretendendo que pessoas inexperientes nos valorizem."
Pense: ninguém pode nos fazer sentir inferiores, sem nosso consentimento."
***
A divindade não se repete. Cada criatura sua é única, é especial e valiosa.
Por isso existe na terra a diversidade das cores, dos tamanhos, das formas.
E você também é uma dessas criaturas especiais, por mais que se julgue destituída de valor.
Você pode não ser o maior intelecto do mundo, mas se tem disposição para o estudo, pode adquirir muitos conhecimentos.
Você pode não ser a pessoa mais bondosa da face da Terra, mas com vontade pode se exercitar todos os dias para se tornar mais paciente, mais caridoso e mais gentil.
Você, enfim, pode não ser o melhor, mas é peça valiosa no concerto da vida, porque foi criado por Deus, que ama a todos e a cada um, de uma forma particular e especial.
Pense: não há ninguém neste imenso universo de Deus, igual a você!

Equipe de Redação do Momento Espírita, a partir de texto sem menção a autor.

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Opinões Contrárias


OPINIÕES  CONTRÁRIAS
Emmanuel

Em muitos episódios da experiência humana, é provável que a provação te bata à porta.
Não te aflijas.
Recebe-a com serenidade e bom-ânimo.
*
Por mais grave a situação, não te precipites com decisões na base da insegurança.
*
Estuda o desafio que as circunstâncias te lançam em rosto.
*
Sobretudo, não emprestes qualquer traço sinistro às dificuldades que se te apresentem.
*
É possível te vejas sob o peso das chamadas “opiniões gerais”.
Entretanto, nem todas as manifestações das “opiniões gerais” se harmonizam com a realidade.
Asserena-te e ora, preparando-te para os esclarecimentos necessários, que surgirão em momento oportuno.
*
Não admitas a ansiedade por mentora de tuas resoluções.
Ainda mesmo que todos os itens da luta em que te encontras, sejam formulados pelos outros, contra o teu modo de agir e de ser, guarda a consciência tranquila e não temas.
*
É possível que todas as opiniões em derredor de ti se façam contrárias, entretanto, conserva a paciência e espera por Deus, porque a opinião dos Mensageiros de Deus pode ser diferente.

Espírito: EMMANUEL Médium: Francisco Cândido Xavier Livro: “Convivência"

sexta-feira, 11 de julho de 2014

O Homem e a Mulher

O Homem e a Mulher



São iguais perante Deus o homem e a mulher e têm os mesmos direitos?
Esta pergunta foi feita, no século dezenove, por Allan Kardec aos Espíritos Superiores, e a resposta deles foi uma contrapergunta:
Não outorgou Deus a ambos a inteligência do bem e do mal e a faculdade de progredir?
Os Benfeitores lançaram, em pleno século dezenove, um desafio para a sociedade da época, que tinha no homem um ser superior à mulher, a quem esta devia obediência e respeito.
É incontestável que homens e mulheres têm os mesmos direitos, com variações apenas quanto às funções que cabem a cada um junto à sociedade.
Sobre essa questão, Kardec perguntou aos Espíritos:
As funções a que a mulher é destinada pela Natureza terão importância tão grande quanto as deferidas ao homem?
Eis a resposta:
Sim, maior até. É ela quem lhe dá as primeiras noções de vida.
Nessa afirmativa dos Benfeitores, fica claro que a maternidade é uma das funções que cabe à mulher, bem como as primeiras noções de educação.
Victor Hugo, poeta e romancista francês que viveu no século dezenove, escreveu uma belíssima página sobre o homem e a mulher, que vai aqui reproduzida:
O homem é a mais elevada das criaturas. A mulher é o mais sublime dos ideais.
Deus fez para o homem um trono; para a mulher, um altar. O trono exalta; o altar santifica.
O homem é o cérebro; a mulher o coração. O cérebro produz luz; o coração, o amor. A luz fecunda; o amor ressuscita.
O homem é o gênio; a mulher o anjo. O gênio é imensurável; o anjo indefinível.
A aspiração do homem é a suprema glória; a aspiração da mulher, a virtude extrema. A glória traduz grandeza; a virtude traduz divindade.
O homem tem supremacia; a mulher, a preferência. A supremacia representa a força; a preferência o direito.
O homem é forte pela razão; a mulher é invencível pela lágrima. A razão convence; a lágrima comove.
O homem é capaz de todos os heroísmos; a mulher, de todos os martírios. O heroísmo enobrece; o martírio sublima.
O homem é o código; a mulher, o Evangelho. O código corrige, o Evangelho aperfeiçoa.
O homem é um templo; a mulher um sacrário. Ante o templo, nos descobrimos; ante o sacrário, ajoelhamo-nos.
O homem pensa; a mulher sonha. Pensar é ter cérebro; sonhar é ter na fronte uma auréola.
O homem é um oceano; a mulher, um lago. O oceano tem a pérola que o embeleza, o lago tem a poesia que o deslumbra.
O homem é a águia que voa; a mulher, o rouxinol que canta. Voar é dominar o espaço; cantar é conquistar a alma.
O homem tem um farol: a consciência; a mulher tem uma estrela: a esperança. O farol guia, a esperança salva.
Enfim, o homem está colocado onde termina a Terra; a mulher, onde começa o Céu.
* * *
O homem é, assim como o pássaro, muitas vezes obrigado a enfrentar a tempestade, fora do ninho, para que o ninho desfrute alegria e abastança.
A mulher é o anjo desse mesmo ninho em que o homem procura paz e refazimento.


Redação do Momento Espírita com base nos itens 817 e 821 de O livro dos Espíritos, de Allan Kardec, ed. Feb e em poesia de Victor Hugo, extraída do v. 5 da Coleção Antologia do pensamento mundial, ed. Logos e do verbete Homem, do livro Dicionário da alma, de Autores diversos, psicografado por Francisco Cândido Xavier, ed. Feb. Disponível no livro Momento Espírita, v. 1, ed. Fep.

quarta-feira, 12 de março de 2014

Não ponhas limites à sua vida

Não ponhas limites à sua vida!
Procure ouvir as notas harmoniosas e sublimes do canto maravilhoso que se evola da natureza.
Viva sorridente e alegre, para espantar as preocupações, para aliviar as lutas.
Mergulhe sua alma na alma da natureza: absorva a luz do sol, goze a suavidade da lua, contemple o esplendor das estrelas, aspire o perfume das flores.
A vida é bela, apesar das dores e dos contratempos.


(Minutos de Sabedoria - Carlos Torres Pastorino)

segunda-feira, 10 de março de 2014

A arte de rezar

Hoje vou escrever sobre a arte de rezar.

Dirão que esse não é tópico que devesse ser tratado por um terapeuta. Rezas e orações são coisas de padres, pastores e gurus religiosos, a serem ensinadas em igrejas, mosteiros e terreiros. Acontece que eu sei que o que as pessoas desejam, ao procurar a terapia: é reaprender a esquecida arte de rezar.
Claro que elas não sabem disto.
Falam sobre outras coisas, dez mil coisas.
Não sabem que a alma deseja uma só coisa, cujo nome esquecemos. Como disse T. S. Eliot, temos conhecimento do movimento, mas não da tranqüilidade; conhecimento das palavras e ignorância da Palavra. Todo o nosso conhecimento nos leva para mais perto da nossa ignorância, e toda a nossa ignorância nos leva para mais perto da morte.
A terapia é a busca desse nome esquecido.
E quando ele é lembrado e é pronunciado com toda a paixão do corpo e da alma, a esse ato se dá o nome de poesia. A esse ato se pode dar também o nome de oração.
Por detrás da nossa tagarelice (falamos muito e escutamos pouco) está escondido o desejo de orar.
Muitas palavras são ditas porque ainda não encontramos a única palavra que importa. 
Eu gostaria de demonstrar isso - e a demonstração começa com um passeio.
 Para começar, abra bem os olhos! Veja como este mundo é luminoso e belo! Tão bonito que Nietzsche até mesmo lhe compôs um poema:
 “Olhei para este mundo - e era como se uma maçã redonda se oferecesse à minha mão, madura dourada maçã de pele de veludo fresco... Como se mãos delicadas me trouxessem um santuário, santuário aberto para o deleite de olhos tímidos e adorantes: assim este mundo hoje a mim se ofereceu...“
 Tudo está bem. Tudo está em ordem. Nada impede o deleite dessa dádiva. Ninguém doente. Nenhuma privação econômica terrível. E há mesmo o gostar das pessoas com quem se vive, sem o que a vida teria um gosto amargo.
 Mas isso não é tudo.
Além das necessidades vitais básicas a alma precisa de beleza.
E a beleza - o mundo a serve a mancheias. Está em todos os lugares, na lua, na rua, nas constelações, nas estações, no mar, no ar, nos rios, nas cachoeiras, na chuva, no cheiro das ervas, na luz que cintila na água crespa das lagoas, nos jardins, nos rostos, nas vozes, nos gestos.
Além da beleza estão os prazeres que moram nos olhos, nos ouvidos, no nariz, na boca, na pele.
Como no último dia da criação, temos de concordar com o Criador: olhando para o que tinha sido feito, viu que tudo era multo bom.
E, no entanto, sem que haja qualquer explicação para esse fato, tendo todas as coisas, a alma continua vazia.
Álvaro de Campos colocou este sentimento num poema:
“Dá-me lírios, lírios, e rosas também. Crisântemos, dálias, violetas e os girassóis acima de todas as flores. Mas por mais rosas e lírios que me dês, eu nunca acharei que a vida é bastante, Faltar-me-á sempre qualquer coisa. Minha dor é inútil como uma gaiola numa terra onde não há aves. E minha dor é silenciosa e triste como a parte da praia onde o mar não chega.“
Como se uma nuvem cinzenta de tristeza-tédio cobrisse todas as coisas.
A vida pesa. Caminha-se com dificuldade. O corpo se arrasta.
As pessoas procuram a terapia alegando faltar um lírio aqui, uma rosa ali, um crisântemo acolá.
Buscam, nessas coisas, a única coisa que importa: a alegria.
Acontece que as fontes da alegria não são encontradas no mundo de fora.
É inútil que me sejam dadas todas as flores do mundo: as fontes da alegria se encontram no mundo de dentro.
O mundo de dentro: as pessoas religiosas lhe dão o nome de alma.
O que é a alma? Alma são as paisagens que existem dentro do nosso corpo.
Nosso corpo é urna fronteira entre as paisagens de fora e as paisagens de dentro. E elas são diferentes.
“O homem tem dois olhos“, disse o místico medieval Angelus Silésius. “Com um ele vê as coisas que passam no tempo. Com o outro ele vê o que é eterno e divino.“
Em algum lugar escondido das paisagens da alma se encontram as fontes da alegria - perdidas.
Perdidas as fontes da alegria as paisagens da alma se apagam, o corpo fica como uma casa vazia. E quando a casa está vazia, vai-se a alegria. E as paisagens de fora ficam feias (a despeito de serem belas).
O mundo de fora é um mercado onde pássaros engaiolados são vendidos e comprados. As pessoas pensam que, se comprarem o pássaro certo, terão alegria. Mas pássaros engaiolados, por mais belos que sejam, não podem dar alegria.
Na alma não há gaiolas.
A alegria é um pássaro que só vem quando quer. Ela é livre. O máximo que podemos fazer é quebrar todas as gaiolas e cantar uma canção de amor, na esperança de que ela nos ouça.
Oração é o nome que se dá a esta canção para invocar a alegria.
Muitas orações são produtos da insensatez das pessoas. Acham que o universo estaria melhor se Deus ouvisse os seus conselhos.
Pedem que Deus lhes dê pássaros engaiolados, muitos pássaros. Nisso protestantes e católicos são iguais. Tagarelam. E nem se dão ao trabalho de ouvir. Não sabem que a oração é só um gemido.
“Suspiro da criatura oprimida“: haverá definição mais bonita? São palavras de Marx. Suspiro: gemido sem palavras que espera ouvir a música divina, a música que, se ouvida, nos traria a alegria.
Gosto de ler orações. Orações e poemas são a mesma coisa: palavras que se pronunciam a partir do silêncio, pedindo que o silêncio nos fale.
A se acreditar em Ricardo Reis, é no silêncio que existe no intervalo das palavras que se ouve a voz de “um Ser qualquer, alheio a nós“, que nos fala. O nome do Ser? Não importa. Todos os nomes são metáforas para o Grande Mistério inominável que nos envolve.
Gosto de ler orações porque elas dizem as palavras que eu gostaria de ter dito mas não consegui.
As orações põem música no meu silêncio.

(Rubem Alves – in “Transparências da eternidade”, Editora Verus)


sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Em homenagem a amizade!


"Lembrei-me dele e senti saudades... Tanto tempo  que a gente não se vê! Dei-me conta, com uma intensidade incomum, da coisa rara  que é a amizade. E, no entanto, é a coisa mais alegre que a vida nos dá. A beleza da poesia, da música, da natureza, as delícias da boa comida e da bebida perdem o gosto e ficam meio tristes quando não temos um amigo com quem compartilhá-las. Acho mesmo que tudo o que fazemos na vida pode se resumir nisto: a busca de um amigo, uma luta contra a solidão...
Lembrei-me de um trecho de Jean-Christophe, que li quando era jovem, e do qual nunca me esqueci. Romain Rolland descreve a primeira experiência com a amizade do seu  herói adolescente. Já conhecera muitas pessoas nos curtos anos de sua vida. Mas  o que experimentava naquele momento era diferente de tudo o que já sentira antes.

O encontro acontecera de repente, mas era como se já tivessem sido amigos a vida inteira. A experiência da amizade parece ter suas raízes fora do tempo, na eternidade. Um amigo é alguém com quem estivemos desde sempre.

Pela primeira vez, estando com alguém, não sentia necessidade de falar. Bastava a alegria de estarem juntos, um ao lado do outro.

“Christophe voltou sozinho dentro da noite. Seu coração cantava ‘Tenho um amigo, tenho um amigo!’ Nada via. Nada ouvia. Não pensava em mais nada. Estava morto de sono e adormeceu apenas deitou-se. Mas durante a noite foi acordado duas ou três vezes, como que por uma idéia fixa. Repetia para si mesmo: ‘Tenho um amigo’, e tornava a adormecer.”

Jean-Christophe compreendera a essência da amizade. Amiga é aquela pessoa em cuja companhia não é preciso falar. Você tem aqui um teste para saber quantos amigos você tem. Se o silêncio entre vocês dois lhe causa ansiedade, se quando o assunto foge você se põe a procurar palavras para encher o vazio e manter a conversa animada, então a pessoa com quem você está não é amiga. Porque um amigo é alguém cuja presença procuramos não por causa daquilo que se vai fazer juntos, seja bater papo, comer, jogar ou tramar.

Até que tudo isso pode acontecer. Mas a diferença está em que, quando a pessoa não é amiga, terminado o alegre e animado programa, vêm o silêncio e o vazio - que são insuportáveis. Nesse momento, o outro se transforma num incômodo que entulha o espaço e cuja despedida se espera com ansiedade.

Com o amigo é diferente. Não é preciso falar. Basta a alegria de estarem juntos, um ao lado do outro. Amigo é alguém cuja simples presença traz alegria independentemente do que se faça ou diga. A amizade anda por caminhos que não passam pelos programas.

Uma estória oriental conta de uma árvore solitária que se via no alto da montanha. Não tinha sido sempre assim. Em tempos passados, a montanha estivera coberta de árvores maravilhosas, altas e esguias, que os lenhadores cortaram e venderam. Mas aquela árvore era torta, não podia ser transformada em tábuas. Inútil para os seus propósitos, os lenhadores a deixaram lá. Depois vieram os caçadores de essências em busca de madeiras perfumadas. Mas a árvore torta, por não ter cheiro algum, foi desprezada e lá ficou. Por ser inútil, sobreviveu. Hoje ela está sozinha na montanha. Os viajantes se assentam sob a sua sombra e descansam.
Um amigo é como aquela árvore. Vive de sua inutilidade. Pode até ser útil eventualmente, mas não é isso que o torna um amigo. Sua inútil e fiel presença silenciosa torna a nossa solidão uma experiência de comunhão. Diante do amigo sabemos que não estamos sós. E alegria maior não pode existir.


Rubem Alves


(Correio Popular, 1991 ou 1992)

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

O tempo e as jabuticabas



" Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para frente do que já vivi até agora.


Sinto-me como aquele menino que ganhou uma bacia de jabuticabas. As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltavam poucas, rói o caroço.

Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados.
Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para projetos megalomaníacos.
Já não tenho tempo para conversas intermináveis para discutir assuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas que, apesar da idade cronológica, são imaturas.
Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário geral do coral ou semelhante bobagem, seja ela qual for.
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa...
Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade, defende a dignidade dos marginalizados, e deseja tão somente andar ao lado de deus.
Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade, desfrutar desse amor absolutamente sem fraudes, nunca será perda de tempo. O essencial faz a vida valer a pena. Basta o essencial!"


domingo, 5 de janeiro de 2014

O Conselho das Árvores

O Conselho das Árvores

Sofro, luz dos meus olhos, quando dizes
Que a vida não te alenta nem conforta.
Olha o exemplo das árvores felizes
Dentro da solidão da noite morta.
Que lhes importa a dor, que lhes importa
O drama que há no fundo das raízes?
Não sentem quando o vento os ramos corta
E as folhas leva em várias diretrizes?
Que lhes importa a maldição do outono
Se dão sombra às taperas no abandono?!...
Levanta os braços para o firmamento
E canta a vida porque a vida é boa
Mesmo esmagada pelo sofrimento.


Olegário Mariano