domingo, 24 de março de 2013

Rubem Alves



Cartas de amor são escritas não para dar notícias, não para contar nada, mas para que mãos separadas se toquem ao tocarem a mesma folha de papel.


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O que é que se encontra no início? O jardim ou o jardineiro? É o jardineiro. Havendo um jardineiro, mais cedo ou mais tarde um jardim aparecerá. Mas, havendo um jardim sem jardineiro, mais cedo ou mais tarde ele desaparecerá. O que é um jardineiro? Uma pessoa cujo pensamento está cheio de jardins. O que faz um jardim são os pensamentos do jardineiro. O que faz um povo são os pensamentos daqueles que o compõem.


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quinta-feira, 21 de março de 2013

Canto XXXI - Estesia

As palavras que eu te disse, não eram as palavras que te queria dizer.
Ensaiei a música de cada verbo, afinei o canto no instrumento da minha voz, e não logrei modular com perfeição o que se agitava nos meus sentimentos.
Embora eu tenha falado, continuam encarceradas na minha boca todas as palavras que não pude enunciar, levando-me à angústia de perder esta oportunidade.
E porque não as pronunciei, a pradaria triste e o verde empaliceu.
Assim as minhas horas se alongaram, e este dia intérmino de sofrimento martela-me a alma com as interrogações dos motivos por que, querendo falar-te, o som da minha voz não emitiu a melodia dos meus desejos.

Do Livro Estesia
Divaldo P. Franco / Rabindranath Tagore
Canto XXXI

Canto XLIII - Estesia

A taça da minha vida transborda de júbilo, desde quando rociei os teus pés cansados com as minhas mãos frias de emoção.
O prazer de haver-te acariciado envolveu as minhas mãos em luvas de ternura infinita.
Esse contato desatou a cascata das minhas alegrias, e os rios cantores se alongaram pelas terras ardentes e as embriagaram da esperança que trouxeste a mim.
As mãos invisíveis da memória tecem um manto de recordações e me envolvo nele, sabendo que em mim perdura o doce enlevo da tua ventura de poeta, cantor e rei, da minha vida.

Do Livro Estesia
Divaldo P. Franco / Rabindranath Tagore
Canto XLIII

Dao De Fing - verso 76

"Ao nascer, o Homem é suave e flexível;
Na sua morte, é duro e rígido.
Plantas verdes são tenras e úmidas;
Na sua morte, são murchas e secas.
Um arco rígido não vence o combate.
Uma árvore que não se curva, quebra.
O duro e o rígido tombarão.
O suave e o flexível sobreviverão."

Dao De Fing
verso 76

(Das minhas lembranças: Lian Gong)

sexta-feira, 8 de março de 2013

A mulher madura


 O rosto da mulher madura entrou na moldura de meus olhos.

... De repente, a surpreendo num banco olhando de soslaio, aguardando sua vez no balcão. Outras vezes ela passa por mim na rua entre os camelôs. Vezes outras a entrevejo no espelho de uma joalheria. A mulher madura, com seu rosto denso esculpido como o de uma atriz grega, tem qualquer coisa de Melina Mercouri ou de Anouke Aimé.

Há uma serenidade nos seus gestos, longe dos desperdícios da adolescência, quando se esbanjam pernas, braços e bocas ruidosamente. A adolescente não sabe ainda os limites de seu corpo e vai florescendo estabanada. É como um nadador principiante, faz muito barulho, joga muita água para os lados. Enfim, desborda.

A mulher madura nada no tempo e flui com a serenidade de um peixe. O silêncio em torno de seus gestos tem algo do repouso da garça sobre o lago. Seu olhar sobre os objetos não é de gula ou de concupiscência. Seus olhos não violam as coisas, mas as envolvem ternamente. Sabem a distância entre seu corpo e o mundo.

A mulher madura é assim: tem algo de orquídea que brota exclusiva de um tronco, inteira. Não é um canteiro de margaridas jovens tagarelando nas manhãs.

A adolescente, com o brilho de seus cabelos, com essa irradiação que vem dos dentes e dos olhos, nos extasia. Mas a mulher madura tem um som de adágio em suas formas. E até no gozo ela soa com a profundidade de um violoncelo e a sutileza de um oboé sobre a campina do leito.

A boca da mulher madura tem uma indizível sabedoria. Ela chorou na madrugada e abriu-se em opaco espanto. Ela conheceu a traição e ela mesma saiu sozinha para se deixar invadir pela dimensão de outros corpos. Por isto as suas mãos são líricas no drama e repõem no seu corpo um aprendizado da macia paina de setembro e abril.

O corpo da mulher madura é um corpo que já tem história. Inscrições se fizeram em sua superfície. Seu corpo não é como na adolescência uma pura e agreste possibilidade. Ela conhece seus mecanismos, apalpa suas mensagens, decodifica as ameaças numa intimidade respeitosa.

Sei que falo de uma certa mulher madura localizada numa classe social, e os mais politizados têm que ter condescendência e me entender. A maturidade também vem à mulher pobre, mas vem com tal violência que o verde se perverte e sobre os casebres e corpos tudo se reveste de uma marrom tristeza.

Na verdade, talvez a mulher madura não se saiba assim inteira ante seu olho interior. Talvez a sua aura se inscreva melhor no olho exterior, que a maturidade é também algo que o outro nos confere, complementarmente. Maturidade é essa coisa dupla: um jogo de espelhos revelador.

Cada idade tem seu esplendor. É um equívoco pensá-lo apenas como um relâmpago de juventude, um brilho de raquetes e pernas sobre as praias do tempo. Cada idade tem seu brilho e é preciso que cada um descubra o fulgor do próprio corpo.

A mulher madura está pronta para algo definitivo.

Merece, por exemplo, sentar-se naquela praça de Siena à tarde acompanhando com o complacente olhar o vôo das andorinhas e as crianças a brincar. A mulher madura tem esse ar de que, enfim, está pronta para ir à Grécia. Descolou-se da superfície das coisas. Merece profundidades. Por isto, pode-se dizer que a mulher madura não ostenta jóias. As jóias brotaram de seu tronco, incorporaram-se naturalmente ao seu rosto, como se fossem prendas do tempo.

A mulher madura é um ser luminoso é repousante às quatro horas da tarde, quando as sereias se banham e saem discretamente perfumadas com seus filhos pelos parques do dia. Pena que seu marido não note, perdido que está nos escritórios e mesquinhas ações nos múltiplos mercados dos gestos. Ele não sabe, mas deveria voltar para casa tão maduro quanto Yves Montand e Paul Newman, quando nos seus filmes.

Sobretudo, o primeiro namorado ou o primeiro marido não sabem o que perderam em não esperá-la madurar. Ali está uma mulher madura, mais que nunca pronta para quem a souber amar.

Affonso Romano de Sant’Anna

Enquanto os ventos sopram

Havia um fazendeiro que possuía terras ao longo do litoral do Atlântico. Ele constantemente anunciava estar precisando de empregados para trabalhar em sua fazenda, mas a maioria das pessoas demonstrava-se pouco disposta a trabalhar em fazendas naquela região. Temiam as horrorosas tempestades que literalmente varriam as fazendas, causando estragos nas plantações e nas construções locais.
A procura por novos empregados era constante e as recusas que o fazendeiro recebia também. Certo dia, no entanto, um homem de estatura baixa, magro, de meia idade, se aproximou do fazendeiro perguntando: O senhor está procurando lavrador?
Em resposta, perguntou então o fazendeiro: Você é um bom lavrador?
Bem.....

Eu posso dormir enquanto os ventos sopram, respondeu o pequeno homem......
Embora confuso com a resposta, o fazendeiro, necessitado de novos empregados, contratou-o.

Ao longo dos primeiros meses o homem trabalhou bem ao redor da fazenda, mantendo-se ocupado desde o alvorecer até o por do sol, deixando o fazendeiro bastante satisfeito com o resultado do seu trabalho.
Então, numa noite fria, o vento uivou ruidosamente. Assustado, o fazendeiro pulou da cama, agarrou um lampião e correu até o alojamento dos empregados. Sacudiu o pequeno homem e gritou: Levanta! Uma tempestade está chegando muito rapidamente! Precisamos amarrar tudo para que as coisas não sejam arrastadas!
Para a surpresa do fazendeiro, o pequeno homem olhou o fazendeiro calmamente e disse com voz firme: Não Senhor! Eu lhe falei: Eu posso dormir enquanto os ventos sopram.
Enfurecido com a resposta, o fazendeiro sentiu-se tentado a despedir o pequeno homem imediatamente, porém era preciso apressar as ações naquele momento e preparar o local para a tempestade que rapidamente avançava. Trataria do empregado depois.

Porém, ao percorrer a fazenda, para o seu assombro, ele descobriu que todos os montes de feno estavam cobertos com lona, firmemente presa ao solo; o gado estava bem protegido no celeiro, os frangos nos viveiros e todas as portas estavam muito bem travadas, janelas bem fechadas e seguras. Tudo muito bem amarrado; nada poderia ser arrastado.

Foi então que o fazendeiro entendeu, finalmente, o que o seu empregado quis dizer.....

Retornou para sua cama e voltou a dormir tranquilamente, enquanto o vento soprava forte lá fora....
Quando nos encontramos bem preparados física e espiritualmente, não há nada a temer. Podemos continuar dormindo tranqüilos enquanto os ventos fortes sopram em nossas vidas!

Estudar Kardec, Entender Kardec e Ensinar Kardec, missão primordial da Causa Espírita.

Reflitamos.