segunda-feira, 2 de julho de 2012
Quando me tornei invisível
ora ocupo um desvão,
que está no pátio de trás. Prometeram trocar o vidro quebrado da janela, porém
se esqueceram, e todas as noites por ali circula um ar gelado que aumenta
minhas dores reumáticas. Mas tudo bem...
Desde há muito tempo tinha intenção de escrever, porém passava semanas
procurando um lápis. E quando o encontrava, eu mesma voltava a esquecer de onde
o tinha posto. Na minha idade as coisas se perdem facilmente, claro, não é uma
enfermidade delas, das coisas, porque estou segura de tê-las, porém sempre
desaparecem.
Noutra tarde me dei conta que minha voz também tinha desaparecido. Quando eu
falo com meus netos ou com meus filhos não me respondem. Todos falam sem me
olhar, como se eu não estivesse com eles, escutando atenta o que dizem. Às
vezes intervenho na conversação, segura deque o que vou lhes dizer não ocorrera
a nenhum deles, e de que lhes vai ser de grande utilidade. Porém não me ouvem,
não me olham, não me respondem. Então cheia de tristeza me retiro para meu quarto
e vou beber minha xícara de café.
E faço assim, de propósito, para que compreendam que estou aborrecida, para que
se deem conta que me entristecem e venham buscar-me e me peçam perdão…
Porém ninguém vem.... Quando meu genro ficou doente, pensei ter a oportunidade
de ser-lhe útil, lhe levei um chá especial que eu mesma preparei. Coloquei-o na
mesinha e me sentei a esperar que o tomasse só que ele estava vendo televisão e
nem um só movimento me indicou que se dera conta da minha presença. O chá pouco
a pouco foi esfriando…… e junto com ele, meu coração...
Então noutro dia lhes disse que quando eu morresse todos iriam se arrepender.
Meu neto menor disse: “Ainda está viva vovó?”. Eles acharam tanta graça, que
não pararam de rir. Três dias estive chorando no meu quarto, até que numa manhã
entrou um dos rapazes para retirar umas rodas velhas e nem o bom dia me deu.Foi
então quando me convenci de que sou invisível... Parei no meio da sala para
ver, se me tornando um estorvo me olhavam. Porém minha filha seguiu varrendo
sem me tocar, os meninos correram em minha volta, de um lado para o outro, sem
tropeçar em mim.
Um dia se agitaram os meninos, e vieram me dizer que no dia seguinte nós
iríamos todos passar um dia no campo. Fiquei muito contente. Fazia tanto tempo
que não saía e mais ainda ia ao campo! No sábado fui a primeira a levantar-me.
Quis arrumar as coisas com calma. Nós os velhos tardamos muito em fazer
qualquer coisa, assim que adiantei meu tempo para não atrasá-los. Rápidos
entravam e saíam da casa correndo elevavam as bolsas e brinquedos para o carro.
Eu já estava pronta e muito alegre, permaneci no saguão a esperá-los.
Quando me dei conta eles já tinham partido e o carro desapareceu envolto em
algazarra, compreendi que eu não estava convidada, talvez porque não coubesse
no carro, ou porque meus passos tão lentos impediriam que todos os demais
caminhassem a seu gosto pelo bosque. Senti claro como meu coração se encolheu e
a minha face ficou tremendo como quando a gente tem que engolir a vontade de chorar.
Eu os entendo, eles vivem o mundo deles. Riem, gritam, sonham, choram se
abraçam, se beijam. E eu, já nem sinto mais o gosto de um beijo.
Antes beijava os pequeninos, era um prazer enorme tê-los em meus braços, como
se fossem meus. Sentia sua pele tenra e sua respiração doce bem perto de mim. A
vida nova me produzia um alento e até me dava vontade de cantar canções que
nunca acreditara me lembrar. Porém um dia minha neta Laura, que acabava de ter
um bebê disse que não era bom que os anciãos beijassem aos bebês, por questões
de saúde...
Desde então já não me aproximo deles, não quero lhes passar algo mal por minhas
imprudências. Tenho tanto medo de contagiá-los! Eu os bendigo a todos e lhes
perdoo, por que... ‘QUE CULPA EU TENHO DE TER ME TORNADO INVISÍVEL?’
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Que verdadeiro!os filhos ,ignorando os pais...muito triste.
ResponderExcluirQue verdadeiro!os filhos ,ignorando os pais...muito triste.
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