Ser tímido é ter o gosto da multidão e temê-la.
Ser tímido é preferir calar sabendo o que falar. É não entrar nas disputas, cortado por elas, por dentro. É ficar mais do lado do garçom que do próprio e construir só na imaginação tudo que tem de melhor. E não se expor nunca, babau para as eficiências ou glórias.
Ser tímido é esperar que o descubram. É invejar sem inveja. É ser capaz de se emocionar com certos poucos que a sensibilidade escolhe e sabe de onde vêm, nas poucas vezes em que chegam.
E se querer primeiro e se esperar por último. É zangar com as próprias raivas e duvidar sem temor.
Ser tímido é manter o espanto do olhar de qualquer criança frente ao estranho. Ou abrir os braços para ele sem saber por quê. É estragar as defesas todas pelo sorriso. E temer a quem ama e detestar a quem teme.
Ser tímido é sentir alegria no que não dá resultado e enfadar-se com as vitórias. É esperar algo que não se sabe, mas se aguarda com fé.
Ser tímido é trabalhar no que não dá e gastar o tempo por um critério muito pessoal e impossível de explicar às pessoas práticas.
Ser tímido é ficar sempre do lado de fora da vitrina.
É gastar pérolas ou suéteres onde não deve. É ser provisório. É poder ter brinquedos emprestados. É permanecer gostando.
Ser tímido é entender cães e crianças. Pode ser falar muito. Pode ser até brilhante. Pode ser luzir. Mas sem raiva, senão de si mesmo, por ofuscar os outros. O tímido é o rei do sentimento do outro no lugar do próprio. É um doente do melhor de si mesmo.
Ser verdadeiramente tímido é nunca saber o impreciso limite entre timidez e fraqueza. É ser tolerante com ambos. É ser duro como pedra consigo mesmo e sentir-se responsável não pelo cartão do ponto, mas pela sensibilidade dos demais.
Ser tímido é poder querer. É fazer sem que saibam, mas ter necessidade de que saibam.
Ser tímido é ser temeroso da própria vaidade, é querer entrar na festa, eterno penetra da alegria alheia porque a sua é secreta.
Ser tímido é rir para, em vez de rir de.
Ser tímido é procurar saber, é querer a justiça, é esperar que os outros reconheçam. É situar tudo no plano do afoito ou do afeto, mesmo quando não existem.
Ser tímido é emocionar-se demais e pairar olímpico. É ter recato pelo que não pode e não diz, não fala e resiste. Ser tímido é viver convalescendo de si mesmo, ontem. Mas igual amanhã, arre!
É ter perdido a visão heróica de si mesmo e sentir-se muito melhor, embora julgasse que ia ser insuportável.
Ser tímido é esperar que o sintam, sabendo-o impossível mas sabendo-se possível.
É voltar para casa numa solidão de luas e cães.
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