quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Canto L - Estesia / Tagore

Vesti-me de seda esvoaçante, coloquei o véu de noivado e depus sobre a cabeça a minha coroa de flores perfumadas de laranjeira, colocando-me à tua espera.
As pessoas que me viam, àquela hora do dia, sorriam simpáticas, saudando-me com um ligeiro movimento da cabeça.
Aguardei com ansiedade e, ao largo das horas, a poeira dos carros e dos transeuntes terminou por diminuir a limpeza dos meus vestidos.
Os comerciantes me olhavam gulosos e com curiosidade.
Eu corova de vergonha, mas como te esperava, suportei o relho da humilhação e do desconforto, aguardando por ti, meu noivo e meu poeta.
Já me criticavam todas as vozes da aldeia por estar ali e as crianças me atiravam calhaus, sem que tu chegasses.
Fiz-me quase mendiga, cobri o rsto e chorei...
A minha grinalda de flores murchou e atirei-a fora. Desiludida, sem forças, ia-me de volta, quando ouvi os guizos que chocalhavam e vi as plumas ao vento, da tua carruagem de luz poente.
Paraste diante de mim, e, enquanto todos vieram ver-te, belo e superior, eu escutei-te dizer-me: " -Vem!"
Corei de emoção e dor, porque eu já não estava em condições de ir contigo.
Desgrenhada, rica de pó e suada, eu não podia ser tua eleita.
Volveste-me os olhos de manhã clara e a música da tua voz repetiu""-Vem!"
Fiquei orgulhosa e recordei-me do quanto me haviam magoado os aldeões, tornando-me senhora da tua presença, do teu carro de sóis e da tua espada de ouro reluzente e cravejada de estrelas. Havia tanta humildade na tua beleza e no teu poder que volvi à realidade, procurando ser digna de seguir com a nobreza da tua harmonia, feita da música do amor sem-fim e sem-nome.

Do Livro Estesia: Canto L - Rabindranath Tagore / Divaldo P. Franco

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