* Diretor de Política e Metodologias de Comunicação, da Abrade (Associação Brasileira de Divulgadores do Espiritismo) e Delegado da CEPA (Confederação Espírita Pan-Americana) para a Grande Florianópolis-SC.
domingo, 8 de abril de 2012
Visão Espírita da Pascoa
Visão Espírita da Páscoa
(Marcelo Henrique*)
Eis-nos, uma vez mais, às vésperas de mais uma
Páscoa. Nosso pensamento e nossa emoção, ambos cristãos, manifestam nossa
sensibilidade psíquica. Deixando de lado o apelo comercial da data, e o caráter
de festividade familiar, a exemplo do Natal, nossa atenção e consciência
espíritas requerem uma explicação plausível do significado da data e de sua
representação perante o contexto filosófico-científico-moral da Doutrina
Espírita.
Deve-se comemorar a Páscoa? Que tipo de celebração,
evento ou homenagem é permitida nas instituições espíritas? Como o Espiritismo
visualiza o acontecimento da paixão, crucificação, morte e ressurreição de
Jesus? Em linhas gerais, as instituições espíritas não celebram a Páscoa, nem
programam situações específicas para “marcar” a data, como fazem as demais
religiões ou filosofias “cristãs”. Todavia, o sentimento de religiosidade que é
particular de cada ser-Espírito, é, pela Doutrina Espírita, respeitado, de modo
que qualquer manifestação pessoal ou, mesmo, coletiva, acerca da Páscoa não é
proibida, nem desaconselhada.
O certo é que a figura de Jesus assume posição
privilegiada no contexto espírita, dizendo-se, inclusive, que a moral de Jesus
serve de base para a moral do Espiritismo. Assim, como as pessoas, via de
regra, são lembradas, em nossa cultura, pelo que fizeram e reverenciadas nas
datas principais de sua existência corpórea (nascimento e morte), é
absolutamente comum e verdadeiro lembrarmo-nos das pessoas que nos são caras ou
importantes nestas datas. Não há, francamente, nenhum mal nisso. Mas, como o
Espiritismo não tem dogmas, sacramentos, rituais ou liturgias, a forma de
encarar a Páscoa (ou a Natividade) de Jesus, assume uma conotação bastante
peculiar. Antes de mencionarmos a significação espírita da Páscoa, faz-se
necessário buscar, no tempo, na História da Humanidade, as referências ao
acontecimento.
A Páscoa, primeiramente, não é, de maneira inicial,
relacionada ao martírio e sacrifício de Jesus. Veja-se, por exemplo, no
Evangelho de Lucas (cap. 22, versículos 15 e 16), a menção, do próprio Cristo,
ao evento: “Tenho desejado ansiosamente comer convosco esta Páscoa, antes da
minha paixão. Porque vos declaro que não tornarei a comer, até que ela se
cumpra no Reino de Deus.” Evidente, aí, a referência de que a Páscoa já era uma
“comemoração”, na época de Jesus, uma festa cultural e, portanto, o que fez a
Igreja foi “aproveitar-se” do sentido da festa, para adaptá-la, dando-lhe um
novo significado, associando-o à “imolação” de Jesus, no pós-julgamento, na
execução da sentença de Pilatos.
Historicamente, a Páscoa é a junção de duas
festividades muito antigas, comuns entre os povos primitivos, e alimentada
pelos judeus, à época de Jesus. Fala-se do “pesah”, uma dança cultural,
representando a vida dos povos nômades, numa fase em que a vinculação à terra
(com a noção de propriedade) ainda não era flagrante. Também estava associada à
“festa dos ázimos”, uma homenagem que os agricultores sedentários faziam às
divindades, em razão do início da época da colheita do trigo, agradecendo aos
Céus, pela fartura da produção agrícola, da qual saciavam a fome de suas
famílias, e propiciavam as trocas nos mercados da época. Ambas eram comemoradas
no mês de abril (nisan) e, a partir do evento bíblico denominado “êxodo” (fuga
do povo hebreu do Egito), em torno de 1441 a.C., passaram a ser reverenciadas
juntas. É esta a Páscoa que o Cristo desejou comemorar junto dos seus mais
caros, por ocasião da última ceia. Logo após a celebração, foram todos para o
Getsêmani, onde os discípulos invigilantes adormeceram, tendo sido o palco do
beijo da traição e da prisão do Nazareno.
Mas há outros elementos “evangélicos” que marcam a
Páscoa. Isto porque as vinculações religiosas apontam para a quinta e a
sexta-feira santas, o sábado de aleluia e o domingo de páscoa. Os primeiros
relacionam-se ao “martírio”, ao sofrimento de Jesus – tão bem retratado neste
último filme hollyodiano (A Paixão de Cristo, segundo Mel Gibson) –, e os
últimos, à ressurreição e a ascensão de Jesus. No que concerne à ressurreição,
podemos dizer que a interpretação tradicional aponta para a possibilidade da
mantença da estrutura corporal do Cristo, no post-mortem, situação totalmente
rechaçada pela ciência, em virtude do apodrecimento e deterioração do
envoltório físico. As Igrejas cristãs insistem na hipótese do Cristo ter
“subido aos Céus” em corpo e alma, e fará o mesmo em relação a todos os
“eleitos” no chamado “juízo final”. Isto é, pessoas que morreram, pelos séculos
afora, cujos corpos já foram decompostos e reaproveitados pela terra,
ressurgirão, perfeitos, reconstituindo as estruturas orgânicas, do dia do
julgamento, onde o Cristo, separará justos e ímpios.
A lógica e o bom-senso espíritas abominam tal
teoria, pela impossibilidade física e pela injustiça moral. Afinal, com a lei
dos renascimentos, estabelece-se um critério mais justo para aferir a
“competência” ou a “qualificação” de todos os Espíritos. Com “tantas
oportunidades quanto sejam necessárias”, no “nascer de novo”, é possível a
todos progredirem. Mas, como explicar, então as “aparições” de Jesus, nos
quarenta dias póstumos, mencionadas pelos religiosos na alusão à Páscoa? A
fenomenologia espírita (mediúnica) aponta para as manifestações psíquicas
descritas como mediunidades. Em algumas ocasiões, como a conversa com Maria de
Magdala, que havia ido até o sepulcro para depositar algumas flores e orar,
perguntando a Jesus – como se fosse o jardineiro – após ver a lápide removida,
“para onde levaram o corpo do Raboni”, podemos estar diante da
“materialização”, isto é, a utilização de fluido ectoplásmico – de seres
encarnados – para possibilitar que o Espírito seja visto (por todos). Igual
circunstância se dá, também, no colóquio de Tomé com os demais discípulos, que
já haviam “visto” Jesus, de que ele só acreditaria, se “colocasse as mãos nas
chagas do Cristo”.
E isto, em verdade, pelos relatos bíblicos, acontece. Noutras situações,
estamos diante de uma outra manifestação psíquica conhecida, a mediunidade de
vidência, quando, pelo uso de faculdades mediúnicas, alguém pode ver os
Espíritos.
A Páscoa, em verdade, pela interpretação das
religiões e seitas tradicionais, acha-se envolta num preocupante e negativo
contexto de culpa. Afinal, acredita-se que Jesus teria padecido em razão dos
“nossos” pecados, numa alusão descabida de que todo o sofrimento de Jesus teria
sido realizado para “nos salvar”, dos nossos próprios erros, ou dos erros
cometidos por nossos ancestrais, em especial, os “bíblicos” Adão e Eva, no
Paraíso. A presença do “cordeiro imolado”, que cumpre as profecias do Antigo
Testamento, quanto à perseguição e violência contra o “filho de Deus”, está
flagrantemente aposta em todas as igrejas, nos crucifixos e nos quadros que
relatam – em cores vivas – as fases da via sacra. Esta tradição judaico-cristã
da “culpa” é a grande diferença entre a Páscoa tradicional e a Páscoa espírita,
se é que esta última existe. Em verdade, nós espíritas devemos reconhecer a
data da Páscoa como a grande – e última lição – de Jesus, que vence as
iniqüidades, que retorna triunfante, que prossegue sua cátedra pedagógica, para
asseverar que “permaneceria eternamente conosco”, na direção bussolar de nossos
passos, doravante.
Nestes dias de festas materiais e/ou lembranças do
sofrimento do Rabi, possamos nós encarar a Páscoa como o momento de
transformação, a Vera evocação de liberdade, pois, uma vez despojado do
envoltório corporal, pôde Jesus retornar ao Plano Espiritual para, de lá,
continuar “coordenando” o processo depurativo de nosso orbe. Longe da remissão
da celebração de uma festa pastoral ou agrícola, ou da libertação de um povo
oprimido, ou da ressurreição de Jesus, possa ela ser encarada por nós,
espíritas, como a vitória real da vida sobre a morte, pela certeza da
imortalidade e da reencarnação, porque a vida, em essência, só pode ser
conceituada como o amor, calcado nos grandes exemplos da própria existência de
Jesus, de amor ao próximo e de valorização da própria vida.Nesta Páscoa, assim,
quando estiveres junto aos teus mais caros, lembra-te de reverenciar os belos
exemplos de Jesus, que o imortalizam e que nos guiam para, um dia, também
estarmos na condição experimentada por ele, qual seja a de “sermos deuses”,
“fazendo brilhar a nossa luz”. Comemore, então, meu amigo, uma “outra” Páscoa.
A sua Páscoa, a da sua transformação, rumo a uma vida plena.
* Diretor de Política e Metodologias de Comunicação, da Abrade (Associação Brasileira de Divulgadores do Espiritismo) e Delegado da CEPA (Confederação Espírita Pan-Americana) para a Grande Florianópolis-SC.
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