quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Tristeza é Bom?



Não, criança, não confunda tristeza com infelicidade. Infelicidade é sempre ruim. Tristeza às vezes é bom.
Atenção, eu não disse que tristeza às vezes é boa.
Eu disse é bom. Tristeza é ruim, mas algumas deixam gosto bom. Há momentos em que é bom a tristeza.
Quando? Cada um sabe. Não há regra nem literatice para explicar.
Para mim?
Ah, para mim tristeza é bom quando não definida, só tem a força de uma pilha e vem sem um objeto claro a mostrar o que dói. Ê bom, por exemplo, quando sabemos que aquela paz amanhã já passou e a saudade futura começa a bater.
Sabemos que depois tudo voltará a ser como era antes e, mesmo assim, já não seremos os mesmos. Nossos núcleos neuróticos nos fazem assumir compromissos errados, difíceis de desfazer. Eles entram na vida, no trabalho, na casa, nos parentes, nas amizades. Fica impossível rompê-los sem sentimento de perda. Ou de irresponsabilidade.
Nos hiatos de paz, quando nos elevamos, sentimos o que teríamos sido. Vemos o que poderíamos ter feito. Nesses raros momentos de intuição e clarividência, se instala a saudade futura, saudade do que seríamos e faríamos. É a saudade do que virá, infelizmente tão marcada pelo que veio e deixou cicatrizes.
Tristeza é bom quando não dá para dizer à criança tudo o que dela aprendemos. Tristeza é bom quando a festa acabou e só então percebemos estar exaustos, com o gosto de "ter feito" na boca e n’alma.
Tristeza é bom quando curtimos a migalha de atenção de quem consideramos inconquistável, distante como as pedras do Egito.
Tristeza é bom quando não nos entenderam, mas sabemos que adiante será mais fácil.
Tristeza é bom quando compreendemos a incompreensão.
Tristeza é bom quando nos pega de surpresa, nós da cidade, vividos e vivaldinos, um belo dia largados de Heidegger e aturdidos pelo balão de gás, a bandinha do interior ou a impossibilidade morena de quem não sabe o quanto é bela e tem medo da gente.
Tristeza é bom quando somos rápidos e por isso gostam de nós. Quando apenas deixamos breve perfume de como seríamos, se fôssemos como nos imaginam.
Tristeza é bom quando contemplamos bodas de ouro, raras, felizes, mas existentes.
Tristeza é bom quando ganhamos café com leite em xícara grande, aquela da fazenda da infância que nunca voltou porque tia Ritinha morreu.
Tristeza é bom quando é xale, cadeira de balanço, parreira! ou dedicatória. Tristeza é bom quando a mulher perdoa e nos descobre decentes no meio de tanta confusão de convivência.
Tristeza é bom quando vem em forma de cantiga de ninar que esqueceram; quando revela o momento dos gênios que o tempo gravou.
Tristeza é bom quando o salário vai todo de uma vez. É bom quando deixamos de fazer o que queríamos e alguém fica cor’t’nte com isso.
Tristeza é bom nas raras vezes em que somos realmente bons.
Tristeza é bom no piquenique boboca que um dia voltou. É bom no passeio de barca, no olhar subitamente compreendido, é bom quando o abandono está só dentro de nós e não no ato que consideramos ingrato.
Olha, criança, tristeza é bom quando você fica com esse olho arregalado acreditando em tudo isso que vou dizendo com a mesma "insinceridade" de qualquer "fingidor" .
Artur da Távola

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