terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Ser jovem

SER JOVEM
Artur da Távola

Ser jovem é não perder o encanto e o susto de qualquer espera. É sobretudo não ficar fixado nos padrões da própria formação. Ser jovem é ter abertura para o novo, na mesma medida do respeito ao imutável.
E acreditar um pouco na imortalidade em vida e querer a festa, o jogo, a brincadeira, a lua, o impossível, o distante. Ser jovem é ser bêbado de infinitos que terminam logo ali. Só pensar na morte de vez em quando. É não saber de nada e poder tudo.
Ser jovem é acordar, pelo menos de vez em quando, assobiando uma canção antes mesmo de escovar os dentes. Ser jovem é não dar bola para o síndico mas reconhecer que ele está na sua. É achar graça do riso, ter pena dos tristes e ficar ao lado das crianças.
Ser jovem é estar sempre aprendendo inglês, é gostar de cor, xarope, gengibirra e pastel de padaria. Ser jovem é não ter azia, é gostar de dormir e crer na mudança; é meter o dedo no bolo e lamber o glacê.
É cantar fora do tom, mastigar depressa e engolir devagar a fala do avô. É gostar de barca da Cantareira, carro velho e roupa sem amargura. É bater papo com a baiana, curtir o ônibus e detestar meia marrom.
Ser jovem é beber chuvas, ter estranhas, súbitas e inexplicáveis atrações. É temer o testemunho, detestar os solenes, duvidar das palavras. Ser jovem é não acreditar no que está pensando, exceto se o pensamento permanecer depois. É saber sorrir e alimentar secretas simpatias pelos crentes que cantam nas praças em semi- círculo, Bíblia na mão, sonho no coração.
É gostar de ler e tentar silêncios quase impossíveis. É acreditar no dia novo como obra de Deus. É ser metafísica sem ter metafísica. É curtir trem, alface fresquinha, cheiro de hortelã. É gostar de talco. Ser jovem é ter ódio de cachimbo, de bala jujuba, de manipulação, e ser usado.
Ser jovem é ser o único capaz de compreender a tia, de entender o reclamo da empregada e apoiar seu atraso. Ser jovem é continuar gostando de deitar na grama. É gostar de beijo, de pele, de olho. Ser jovem é não perder o hábito de se encabular. É ir para ser apresentado ("Já conhece fulano?") morrendo de medo.
Ser jovem é permanecer descobrindo. É querer ir à lua ou conhecer Finlândias, Escócias e praias adivinhadas. É sentir cheiros raríssimos: cheiro de férias, de mãe chegando em casa em dia de chuva, cheiro de festa, aipim, camisa nova, marcenaria ou toalha do clube.
Ser jovem é andar confiante como quem salta, se possível de mãos dadas com o ar. É ter coragem de nascer a cada dia e embrulhar as fossas no celofane do não faz mal. É acreditar em frases, pessoas, mitos, forças, sons, é crer no que não vale a pena mas ai da vida se assim não fosse.
É descobrir um belo que não conta. É recear as revelações e ir para casa com o gosto do silêncio amargo ou agridoce.
Ser jovem é ter a capacidade do perdão e andar com os olhos cheios de capim cheiroso. É ter tédios passageiros, amar a vida, ter pronta a palavra de compreensão. Ser jovem é lembrar pouco da infância por não precisar fazê-lo para suportar a vida.
Ser jovem é ser capaz de anestesias salvadoras.
Ser jovem é misturar tudo isso com a idade real, trinta, quarenta, cinqüenta, sessenta, setenta ou dezenove. É sempre abrir a porta com emoção. É esperar dos outros o que ainda não desistiu de querer. Ser jovem é viver em estado de fundo musical de super- produção da Metro. É abraçar esquinas, mundos, espaços, luzes, flores, livros, discos, cachorros e a menininha, com um profundo, aberto e incomensurável abraço feito de festa, cocada preta, dentes brancos e dedos tímidos, todos prontos para os desencontros da vida e com profunda e permanente vontade de SER.

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