terça-feira, 22 de março de 2011

Fragmentos de Clarice


"Minha alma tem o peso da luz.
Tem o peso da música.
Tem o peso da palavra nunca dita,
prestes quem sabe a ser dita.
Tem o peso de uma lembrança.
Tem o peso de uma saudade. T
em o peso de um olhar.
Pesa como pesa uma ausência.
E a lágrima que não se chorou.
Tem o imaterial peso da solidão no meio de outros."

"A vida é igual em toda a parte
e o que é necessário
é a gente ser a gente."

" Às vezes eletrizo-me ao ver bicho.
Estou agora ouvindo o grito ancestral dentro de mim:
parece que não sei quem é mais a criatura, se eu ou o bicho.
E confundo-me toda.
Fico ao que parece com medo de encarar instintos abafados
que diante do bicho sou obrigada a assumir.
Não humanizo bicho porque é ofensa
- há que respeitar-lhe a natureza -
eu é que me animalizo.
Não é difícil e vem simplesmente.
É só não lutar contra e é só entregar-se.
Nada existe de mais difícil do que entregar-se ao instante.
Esta dificuldade é dor humana.
É nossa! "

"....Talvez desilusão seja o medo de não pertencer mais a um sistema. ...
O que eu era antes, não me era bom.
Mas era desse não-bom que eu havia criado um bem futuro...
Terei que correr o sagrado risco do acaso.
E substituirei o destino pela probabilidade.
Mas enquanto eu estava presa, estava contente?
ou havia, e havia, aquela coisa sonsa e inquieta em minha feliz rotina de prisioneira?"

"Tenho várias caras.
Uma é quase bonita, outra é quase feia.
Sou um o quê?
Um quase tudo".

"Não se preocupe em entender, viver ultrapassa todo o entendimento"

"Não entendo.
Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender.
Entender é sempre limitado.
Mas não entender pode não ter fronteiras.
Sinto que sou muito mais completa quando não entendo.
Não entender, do modo como falo, é um dom.
Não entender, mas não como um simples de espírito.
O bom é ser inteligente e não entender.
É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida.
É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice.
Só que de vez em quando vem a inquietação:quero entender um pouco.
Não demais: mas pelo menos entender que não entendo."

"Eu, alquimista de mim mesmo.
Sou um homem que se devora?
Não, é que vivo em eterna mutação, com novas adaptações a meu renovado viver e nunca chego ao fim de cada um dos meus modos de existir.
Vivo de esboços não acabados e vacilantes.
Mas equilibro-me como posso entre mim e eu, entre mim e os homens, entre mim e o Deus.
Vivo em escuridão da alma, e o coração pulsando, sôfrego pelas futuras batidas que não podem parar".

"Eu não tenho enredo de vida?
sou inopinadamente fragmentária.
Sou aos poucos. Minha história é viver.
E não tenho medo do fracasso.
Que o fracasso me aniquile,quero a glória de cair."

"Gosto dos venenos mais lentos!
Das bebidas mais fortes!
Das drogas mais poderosas!
Dos cafés mais amargos!
Tenho um apetite voraz.
E os delírios mais loucos.
Você pode até me empurrar de um penhasco que eu vou dizer:
E daí? Eu adoro voar!"

"Eu sou uma pergunta de certo.
Uma pergunta que não deseja ser respondida.
Que também não se contenta com as respostas porque acha tudo um tanto quanto relativo.
Meus braços são por demais pequenos para o mundo que eu quero abraçar.
E meu coração é por demais tortuoso para não causar espanto.
Quero tudo!
Agora!"

Clarice Lispector

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