segunda-feira, 28 de maio de 2012

Estesia

Estesia

Quando a Tua carruagem de Sol nascente surgiu na madrugada da minha vida, eu podia extasiar-me com a visão das nuvens coando a claridade do Dia quais plumas oscilantes ao vento...
Entreteci, então, minhas horas, na contemplação da beleza, rico de luzes interiormente, sem olhar a erva tenra do caminho, submissa aos meus pés, ou a borda ladeante por onde seguiam as minhas ansiedades.
Não vendo o solo, absorto na visão do firmamento, não escutei os gemidos nem me detive na dor lamentosa...
Preocupado com a estesia de fora evitei a tristeza, marginalizando o sofrimento alheio que passava por mim em ritmo acelerado...
Mais tarde, eu já andava nos trilhos da idade adulta e o Teu carro de fogo em plenitude, ardente, fazia-me extasiar ante a Tua espada flamejante, cravejada de labaredas voluptuosas que avermelhavam dourando a Terra...
O amor chamou-me a atenção, dei o que tinha, porém desejei seguir além...
A doce música da canção da sua voz, nos meus ouvidos, enternecia minha alma, todavia, a magia da beleza me chamava para mais além.
Eu era jovem então, não sabendo o que era a vida.
Ao cair da tarde, com a visão cansada pelos anos vividos ainda me extasiei com o forte poente, por detrás de cujos leques esgarçados em cores múltiplas desaparecia o Teu veículo viajor...
A velhice enevoou as minhas experiências e o licor juvenil amadureceu no odre do meu coração. Saí, tentando, em vão, reencontrar-Te, estranho e profundo amor, no chão para onde o corpo alquebrado se curva e no qual a vista se detém.
Sinto que passas e, mesmo sem ver-Te, ouço-Te cantando as oportunidades da real alegria, tarde demais, para mim...
Persegui a beleza e perdi a hora de dar-me à aflição, em nome do amor que se transforma na juventude da eterna beleza e da intérmina paz.
...É noite, e cerro os olhos, enquanto a morte me abre a porta da libertação, chamando-me ao encontro contigo e eu me extasio com as estrelas engastadas no veludo azul-escuro do zimbório, formando uma estrada coruscante por onde deverei seguir.
Artista da Vida, quanta estesia na Tua realização!
A Tua voz que canta, na música da Natureza, continua na harpa dos meus sentimentos a irradiar sons e beleza, chamando-me no rumo do Teu amor sem interrupção.
Imortal, antes do tempo e depois das eras, debruço-me na janela da eternidade para que a magia da Tua obra me una cada vez mais a Ti, embriagando-me de felicidade.

*****

Em Tua homenagem aqui deponho o meu rosário de canções aos ouvidos do mundo, e principalmente de quem, porque ainda não Te encontrou, nega-se a descobrir-Te na estesia da Vida.

Tagore
Salvador, 05 de maio de 1984

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(Divaldo Pereira Franco - Rabindranath Tagore - Livro: Estesia)



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